segunda-feira, 21 de maio de 2012

Entrevista com o Desembargador Mauro Campello

Abaixo, entrevista com o Des. Mauro Campello, por Shirley Rodrigues
do jornal Folha de Boa Vista, veiculada no dia 19.05.2012.

Confiram!


PERFIL
Mauro Campello é professor universitário há 25 anos, tendo começado sua carreira docente na Universidade Estácio de Sá–RJ. Professor voluntário na UERR, foi também professor na Universidade Federal de Rondônia, Faculdade Atual e UFRR. Nessas duas últimas ajudou a montar o Curso de Direito. Formado em Direito pela UGF, advogou dois anos e foi promotor de justiça em Rondônia durante 4 anos. Atuou como juiz de Direito em Boa Vista, durante 9 anos, período em que atuou na Vara da Infância e Juventude. Há 11 anos é desembargador do Tribunal de Justiça de Roraima. Dr. Mauro é pós-graduado em Direito de Família pela UGF, em Violência Contra Criança na USP e Política e Gestão na UFRJ. Atualmente cursa mestrado em Sociedades e Fronteiras na UFRR e doutorado em Direito na Universidade Federal da Argentina. Ele é uma referência nacional em infância e juventude, distinguido duas vezes com prêmios das Nações Unidas, em 1998, como melhor Juizado da Infância e Juventude do país e, em 1999, como melhor juiz da Infância e Juventude do Brasil.
“Aos pais não incube apenas o dever de provedores dos bens materiais. Existem bens afetivos (amor, gratidão, tolerância) que somente o vínculo familiar é capaz de desenvolver”.

  • O que significa para o senhor os prêmios consecutivos das Nações Unidas como melhor do país em infância e juventude?
    Recordo-me que, quando fui distinguido com os dois prêmios, em anos consecutivos (98 e 99), dividi os mesmos com a sociedade roraimense, com meus funcionários do Juizado da Infância e da Juventude e com o Tribunal de Justiça. Foram os primeiros prêmios de repercussão internacional que Roraima recebeu pelos expressivos trabalhos desenvolvidos. Nosso Estado era exemplo para o mundo. Tínhamos a receita para colocar em prática, com sucesso, as teorias das Nações Unidas sobre a Administração da Justiça Infanto-juvenil.
  • Na sua opinião, a idade criminal deveria ser alterada?
    Lamentavelmente só lembramos de nossos “menores” quando estes são problemas. Todavia, a resposta para conter suas infrações não será a redução da idade penal. O investimento tem que ser no ser humano, especialmente através das políticas públicas. Eu acredito na recuperação do homem. As discussões devem estar centradas na implementação de ações concretas que combatam as causas em suas raízes.
  • Como o senhor avalia os Centros Sócio Educativos de modo geral?
    O único CSE que funcionou nos moldes da normativa internacional foi o de Roraima e, assim mesmo, nos seus primeiros 10 anos de existência. O índice de reincidência não chegava a 5%. Hoje mudou muito. Falta vontade política. A estrutura física e a proposta estão sucateadas. Aumentou-se o índice de evasão e da reincidência. Virou um cadeião.
  • Qual o papel da família na formação do indivíduo?
    De fundamental importância. Compete à família o dever de humanizar suas crianças para a convivência social. Isto significa que aos adultos no entorno dos jovens compete tornar humano o “bicho” homem (espécie humana). Aos pais não incube apenas o dever de provedores dos bens materiais. Existem bens afetivos (amor, gratidão, tolerância) que somente o vínculo familiar é capaz de desenvolver. 
  • E com relação ao do Estado?
    O Estado tem o dever de ligar seus holofotes para suas crianças e seus adolescentes, ou seja, direcionar suas políticas públicas, como saúde, educação, assistência social, segurança e justiça para eles e suas famílias. O Estado deve garantir e efetivar os direitos da criança, com o objetivo de que os jovens de hoje tenham todas as condições para criarem no futuro uma ordem social mais justa e humana.
  • A que o senhor atribui o crescente aumento de crianças estupradas pelos próprios pais, padrastos, familiares, vizinhos e outros homens adultos?
    Não é um fenômeno recente, apenas estão sendo mais divulgados. As leis se aperfeiçoaram no sentido das denúncias e punições, e assim a sociedade tem tomado mais conhecimento e discutido tal tema. A lei no passado dificultava que uma filha pudesse denunciar o pai por tais crimes. A intenção era proteger a menina/vítima da exposição social. Nesse ponto, deixava de lado a dor da criança sobre a violência sexual sofrida.
  • O senhor é a favor de penas diferenciadas e mais severas para estupradores de crianças?
     Sou totalmente favorável. As crianças são seres humanos em fase de desenvolvimento físico, moral, social, espiritual e mental. Precisam de proteção. Fatos desta natureza causam um grande estrago na vida desses pequenos cidadãos. Defendo que devam existir programas psicossociais para atender crianças vitimizadas e seus familiares.
  • Como o senhor avalia a recente decisão do STJ, que inocentou um homem que estuprou três meninas de 12 anos, sob a alegação de que elas não eram mais virgens?
    Pelo noticiado, entendi que o acusado foi beneficiado por ter praticado o crime ainda na vigência do Código Penal de 1940, que possibilitava tal entendimento. Contudo, com as mudanças legais ocorridas, fatos desta natureza serão regulados pelas novas normas que não mais permitem esta compreensão. Mesmo as crianças não sendo mais virgens, seus abusadores serão condenados. Interessante registrar que o próprio STJ em decisão mais recente assim se posicionou.
  • Se tivesse de optar entre a Magistratura e a Docência, por qual optaria?
    Quando acadêmico, não concordava com o “juiz do processo”. Visualizava um juiz ator social, transformador, dinâmico, que fosse de seu tempo, em que suas decisões tivessem um conteúdo pedagógico e suas ações fossem capazes de romper o ciclo de injustiça e opressão. Mas também queria lecionar, ensinar, trocar experiências e pesquisar. Ter contato com a juventude. Portanto, escolhi essas duas funções acumuláveis: o fazer e o ensinar.
  • Que mensagem o desembargador Mauro Campello deixa à população de Roraima?
    Vamos retomar unidos a caminhada do ponto em que paramos, sem retrocessos. Lutar por investimento, por políticas públicas, mais profissionalismo no trato das questões da área infanto-juvenil, mais democracia. Prioridade absoluta para o nosso amanhã!

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